...ia-se à reserva:
Cala o bico;
Vai ver se chove;
És um atraso de vida;
Ó gordefas, e assim por adiante!
Os aniversários tinham lugar no meio dos piores insultos. Cantarolava-se;
Infeliz aniversário, infeliz aniversário, lançando-se uma bomba de palavras feias no meio da festa. Entre os adultos, para se festejar a passagem do ano, comia-se as passas e bebia-se sumo de peúgas pretas, no meio de gracejos do género:
— Desejo-te um ano péssimo… e, principalmente, muito pouca saúde!
E, quando se abriam as prendas, era um concerto de gemidos:
— Que feio! Como é que tiveste uma ideia tão má? É, de facto, o presente que eu mais receava.
Antes das aulas, as crianças corriam para as lojas cinzentas e enchiam os bolsos de palavras feias para a hora do recreio. Antes das férias, os adultos também lá iam, para encherem as malas de palavras cinzentas, de piadas estúpidas, que atiravam pela janela na auto-estrada, entre as sandes e o café, durante os engarrafamentos: Ó palerma, vai mas é plantar batatas!
À face da Terra, a atmosfera era glacial. O Sol, que tem medo das grosserias e dos arraiais de pancada, recusava-se agora a brilhar. Lembrava-se de outros tempos, em que era acolhido de braços abertos:
— Está bom tempo! Que maravilha! Obrigada, amigo Sol… Oh, meu Deus, como gosto do Sol…
Em vez disso, ouvia-se agora:
— Que calor horrível! Bolas! Kêkalôr!
Então as nuvens invadiram o céu, e a terra mergulhou num período glacial. Toda a gente tinha frio. As pessoas recusavam-se a despir-se, já não faziam festas umas às outras, já não nasciam bebés. A Terra estava tão triste, sem flores nem palavras cor-de-rosa!
No entanto, algures no mundo, um rapazinho não queria habituar-se às palavras cinzentas.
Talvez por, no seu bolso, ter ficado uma palavra cor-de-rosa meio gelada... Continua
0 comentários:
Enviar um comentário